CORAÇÃO CAIPIRA

Os proprietários quiseram a casa assim, rústica e acolhedora, como as moradias de pedra, taipa e madeira da gente simples de São Bento do Sapucaí, no lado paulista da Serra da Mantiqueira.

 

A cozinha externa segue a tradição rural

Quem joga dominó entende bem os lances desta história. Sabe que uma peça pede outra, assim como os desejos do casal de São Paulo pediram um determinado perfil de arquiteto. Desejos? De refugiar-se na natureza, em, uma casa aconchegante, Perfil? De um profissional habituado a projetar construções que se confundem com a paisagem.

Coube a amigos aproximar esses jogadores e suas pedras.

O casal de empresários tinha dúvidas sobre onde comprar seu sítio: em São Francisco Xavier ou em São Bento do Sapucaí, na mesma região serrana. "Olhei os dois lugares, avaliei os terrenos e o que eles imaginavam. São Bento era melhor", lembra Mauro Munhoz, o arquiteto. Apenas uma estradinha precária passava perto da área de 75 000 m2 (3 alqueires), mas a vista das montanhas e dos vales compensava qualquer falha.

Após ouvir os proprietários, Munhoz desenhou um projeto dividido em três blocos, tornando sua presença mais discreta no lugar, como também queriam os clientes. Assim, há uma construção para os dois filhos jovens e hóspedes, outra que reúne biblioteca e sauna, além da casa. Nesta, destacou do corpo principal a sala e uma cozinha de doces. "Todos os cômodos foram determinados por eles", explica.

"Só sugeri a cozinha externa, que é uma tradição rural brasileira, um ambiente ventilado onde se preparam doces e se assam carnes e pães a lenha".

 

Separada dos quartos a sala ganha destaque

Ao casal interessava uma construção que se parecesse com as da região - portanto, estava descartada uma arquitetura sem telhado, feita de concreto ou de aço. Poderia ser de tijolo, mas a dificuldade de fazer chegar ao terreno caminhões carregados abortou a possibilidade. "Precisava ser materiais leves, mais fáceis de transportar", conta o arquiteto. Daí a sugestão de erguer a estrutura em madeira, no caso, o eucalipto, uma espécie de reflorestamento.

Olhando em volta, Munhoz e o engenheiro Nelson Faria, que orientou a obra, encontraram os outros insumos de que necessitavam: pedras e terra. Espalhadas na superfície, as pedras do tipo arenito serviram aos alicerces.

Acima delas, se usou a terra em parceria com madeira para moldar as paredes de pau-a-pique (ou taipa) do térreo. As do segundo andar se fecharam com tábuas de eucalipto.

Já o telhado demandou materiais vindos de fora, grandes telhas de demolição. Fiel ao jeito mais autêntico de cobrir uma moradia, o arquiteto apenas as apoiou sobre o madeiramento sem usar cimento nem amarrações.

Como a idade as deixou porosas e podem se deslocar com o vento, as goteiras são evitadas com uma manta impermeabilizante, instalada entre as telhas e o forro. O melhor é que por ser conhecidas da mão-de-obra, essas técnicas construtivas simplificaram o trabalho - em um ano, nascia a casa principal.

 

Arenito, eucalipto e taipa estruturam as paredes

As pedras de arenito existentes no sítio foram aproveitadas em seu trabalho original para compor a base da casa, entre 35 e 40 cm de espessura. Sobre ela, montou-se a estrutura.

Tratado sob pressão (em Autoclave) contra insetos e fungos, o eucalipto foi fornecido pela Prema, que cobra de R$ 450,00 a R$ 500,00 pelo m3 serrado em vigas, caibros, sarrafos e tábuas. Para erguer as paredes de taipa (15 cm de espessura), fez-se uma trama de eucalipto e sobras de auraucária e pínus (compradas de serrarias locais), que recebeu imunizante e foi fechada com barro.

Mais leves ainda, as paredes do superior são um sanduíche de tábuas de eucalipto colocadas lado a lado, com frestas mínimas ... "O ar entra e mantém os dois lados da madeira com a mesma umidade, evitando empenamentos," explica o arquiteto. Dentro, há um colchão de ar e, como recheio termoisolante, lã de rocha.

Também de eucalipto, janelas e portas exigiram uma madeira bem escolhida, sem nós. Assim, a chance de empenar ou rachar diminui muito, segundo Sérgio Marola, da Prema.

 

O sítio parece compor uma vila

Antes de lançar à casa principal, proprietários, arquitetos e construtor testaram as idéias em uma cabana, que hoje abriga biblioteca e sauna. "Foi um protótipo, algo experimental, que se estendeu por longos seis meses de trabalho", explica Munhoz. O valor também foi alto. "Gostamos R$ 700,00 por m2 nesta casinha que, na época, ficava num ponto de difícil acesso. Tivemos até que contratar uma parelha de burros para descer os materiais", lembra Faria. "A medida que fomos aprendendo, o custo foi caindo. Na média de toda a obra, o m2 chegou a R$ 500,00".

Em escala reduzida, essa construção é igualzinha à grande. Só difere em portas e janelas, produzidas em cedro, pois se temia que, feitas de eucalipto, empenassem. Porém a disparidade de cor entre as paredes (de eucalipto) e as esquadrias ficou tão flagrante que eles apostaram somente na madeira de reflorestamento nos outros projetos.

Junto da cabana, há uma piscina que mais parece um lago, cercada pela vegetação nativa.

De formato irregular, com revestimento de cimento e pedras nas bordas, ela tem água corrente, vinda de um rio. A temperatura, geladíssima, não convida muito, a não ser no verão. Mas que a piscina completa o charme do restante do projeto, disso ninguém duvida.

 

Reportagem: Cristiane Teixeira e Eliana Medina
Fotos: Nelson Kon