PISCININHAS CONTRA AS ENCHENTES

LEGISLAÇÃO

A partir de agora toda construção nova na cidade de São Paulo, com área impermeabilizada superior a 500 m2, será obrigada a ter reservatórios para captar águas de chuva. Mas a "Lei das Piscininhas" ainda precisa ser regulamentada.

Por Vagner Baptista

Se depender de legislação, no futuro a cidade de São Paulo terá cada vez menos seu nome nas manchetes dos jornais associado aos transtornos causados pelas enchentes. A lei 13.276, apresentada pelo geólogo e vereador Adriano Diogo e aprovada na Câmara em 4 de janeiro de 2002 (leia na página 11) torna obrigatória a construção de reservatório para as águas pluviais "coletadas por telhados, coberturas terraços e pavimentos descobertos nos lotes, edificados ou não, que tenham área impermeabilizada superior a 500 m2". A obrigatoriedade vale para todas as construções novas e é exigência para obtenção do Certificado de Conclusão ou Auto de Regularização

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Segundo o texto, a água captada pela caixa deverá "preferencialmente" ser infiltrada no solo, podendo também ser direcionada para a rede de drenagem após uma hora depois da chuva ou ainda ser aproveitada para finalidades não potáveis. De acordo com a assessoria do parlamentar, o objetivo, mais dom que pretender acabar com um problema por decreto, é "criar uma cultura ecológica na população".

Em poucas empresas essa cultura já existia, afirma o engenheiro civil Alexandre Carvalho, responsável pela Kairoz® Desenvolvimento Imobiliário, que está construindo o residencial Espaçomobile® Real Parque, um condomínio de 12 casas industrializadas, ainda na fase inicial, na Zona Sul de São Paulo, com previsão para ser concluído até o final de 2002. "São três reservatórios, um de 27 m3 e dois de 36 m3, com capacidade total de 99 m3, ou 99 mil litros de água. As três caixas de alvenaria, com revestimento de argamassa, serão enterradas sob o piso de acesso de uma das ruas internas do condomínio", detalha o engenheiro, informando ainda que a água da chuva será aproveitada na irrigação de jardins e lavagem de áreas comuns.

O projeto do reservatório da obra executada pela Kairoz® foi feito pelo estudioso do assunto Elair Antônio Padin, autor do "Projeto Padin", que forneceu as bases para a lei 13.276 ("Lei das Piscininhas", como já foi apelidada em São Paulo), para a lei 010/01, de Campina Grande (PB), primeira cidade brasileira a legislar sobre o tema, obrigando o aproveitamento da água de chuva, para uso não potável, em colégios públicos; e para os projetos de lei que estão sendo discutidos no Rio de Janeiro, Curitiba (PR) e Campinas (SP). "Em Campinas o processo de votação está mais adiantado e deverá se tornar lei nos próximos quatro meses", informa Padin.

 

Opinião

"Do ponto de vista das formas arquitetônicas, a inserção desses reservatórios nada altera o projeto. Parto do princípio de que uma boa solução arquitetônica tem que ser pensada em longo prazo. Um edifício não tem somente o custo de produção; é preciso considerar os custos operacional e de manutenção da obra em cinco, 10 anos. Quanto mais sustentável, maior será a economia operacional de um prédio", defende o arquiteto Mauro Munhoz, que assina o projeto da Kairoz®.

Para o arquiteto e presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção São Paulo (IAB/SP), Gilberto Beleza, a nova lei é positiva, já que tenta minimizar a alta impermeabilização do solo paulistano. "É a mínima contribuição que as novas construções deveriam dar para sanar essa realidade. Agora falta a contribuição da prefeitura, evitando a canalização de córregos e rios sem respeito à suas margens, além da ampliação dos espaços verdes públicos na cidade, principalmente junto às vias de circulação".

"Em princípio a idéia não é má, mas é preciso que especialistas em hidrologia opinem sobre a capacidade desses reservatórios. Será que a fórmula proposta pela lei está exagerada, ou não? O índice pluviométrico de 0,06m/h aplicado é suficiente?", questiona o engenheiro Antônio Carlos Tosetto, coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Civil (CEEC) do Crea-SP, aproveitando para sugerir uma alteração no artigo 3º (veja box na página 11): "No caso dos estacionamentos eu iria até mais longe na determinação da área com piso drenante. Em vez de 30%, eu sugeriria 100% da área".

O engenheiro civil e coordenador da Comissão de Revisão de Normas de Tanques Sépticos da ABNT, Hissashi Kamiyama, diz: "Enfim, o poder público percebeu que o problema de enchentes na cidade como São Paulo deve ser combatido nas fontes e não somente pelo sistema coletor." Na análise do engenheiro, a lei tem como objetivo a atenuação do pico de chuva, diminuindo as enchentes.

No entanto, Hissashi Kamiyama critica o fato de a "Lei das Piscininhas" só atingir os imóveis acima de 500 m2, o que, segundo ele, limita o objetivo que a regulamentação pretende atingir. "A grande maioria dos imóveis em São Paulo não possui área impermeabilizada de 500 m2.

Para que este aspecto seja superado, abrangendo aqueles imóveis de menor área impermeabilizada, digamos 200 m2, acredito que seja necessária uma complementação da lei, incluindo benefícios financeiros diretos, paralelamente à punição", sugere Kamiyama.

A comissão coordenada por Hissashi Kamiyama existe desde 1999, cujo o objetivo inicial era rever a norma de fossas sépticas. Concluído o trabalho, os profissionais envolvidos no tema ampliaram os estudos para o uso racional de água, que acabou, depois de finalizado, estendendo as discussões para o uso não potável da água da chuva em seus trabalhos. Por esse motivo, informa o engenheiro, o mesmo grupo pretende agilizar o trabalho de elaboração do projeto da norma "Captação e Uso Local de Águas Pluviais" que, além de aspecto técnico, mostrará aos usuários os benefícios do reaproveitamento da água da chuva.

 

Pesquisadores

Carlos Eduardo Morelli Tucci , engenheiro civil e professor doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro da Associação Brasileira de Recurso Hídricos (ABRH) e uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, responde: "A lei é uma grande iniciativa. Infelizmente os projetos de drenagem urbana e os profissionais estão defasados em cerca de 30 anos. No Brasil praticamente não existe controle de escoamento na fonte, através de recuperação da capacidade de infiltração ou da detenção do escoamento adicional gerada pelas superfícies urbanas. O princípio fundamental deste controle é o de que qualquer novo empreendimento deve manter as condições naturais pré-existentes de vazão para um determinado risco definido", explica o acadêmico, lembrando que as áreas públicas também contribuem com significativo aumento da vazão.

Sobre o índice de precipitação 0,06 m/h (artigo 2º) utilizado na nova lei, Tucci avalia: "Parece-me adequado e deve ser correspondente a cerca de 10 anos de risco, com uma hora de duração, o que é aceitável para o dispositivo. Em outras palavras, este valor representa que em um ano qualquer a inundação tem 10% de ser superada. No entanto, tenho dúvidas sobre o coeficiente de 0,15, que me parece baixo".

Tucci conclui com outra observação, desta vez em relação ao artigo 3º, que diz respeito à área dos estacionamentos que deverão ter 30%, de piso drenante ou com terreno naturalmente permeável. "Os 30% permeáveis são aceitáveis, mas considerando que o empreendedor controlará os outros 70%, ocorrerá a redução do pico.

O problema com pavimentos permeáveis é que, com o tempo, eles entopem nas pistas de rolamento. No entanto, poderia ser acrescentada ao texto a exigência de que toda área de passeio seja pavimento permeável e que toda área de superfície impermeável escoe a água sobre filtros ou gramas antes que esse volume entre no sistema de amortecimento (reservatório no qual, devido ao seu volume, a vazão que sai é menor do que a que entra) e drenagem".

Para Massato Kobiyama, professor da área de hidrologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a "Lei das Piscininhas" é correta do ponto de vista do ciclo hidrológico (precipitação, interceptação, infiltração, percolação, armazenamento, escoamentos superficial, subsuperficial e subterrânea, evapotranspiração, e dinâmica da água em rios, lagos e oceanos). Mas peca pela falta de visão no que diz respeito ao aproveitamento. "Imagino que a preocupação dessa lei é só com as enchentes. No entanto, além de captar água da chuva, deveria ser obrigatório aproveitá-la de alguma maneira , já que a construção de um reservatório não é barata", sugeri o professor.

Outro aspecto que preocupa Masato são as palavras "permeável" e "impermeável". "Estes termos são muito relativos e subjetivos. Uma área de barro bem compactada é igual ao asfalto em questão de permeabilidade. Por isso é preciso definir exatamente o que se considera como área permeável", argumenta o professor, que acaba de traduzir o livro Aproveitamento da Água de Chuva, em lançamento no Brasil pela Organic Trading Editora.

Reportagem: Revista Mais Arquitetura 2002